Fotos: Marcelino Silva
Além de colaborar com a preservação ambiental na Cidade, projetos promovem a educação e resgatam a dignidade de alguns cidadãos santistas
Por Marcelino Silva
Desde que foi iniciado na década de 90, o trabalho de reciclagem do lixo da Prefeitura de Santos passou por algumas fases. O projeto já foi reconhecido como uma das experiências mais bem sucedidas de coleta seletiva de resíduos domésticos em todo o Brasil. A época em que os alunos da rede municipal de ensino ganhavam cadernos fabricados com papel reciclado comprova o importante estágio que o Lixo Limpo conseguiu atingir. Hoje, os custos operacionais, as iniciativas paralelas, a conscientização da população e o resgate social são os desafios para a continuidade do projeto.
O engenheiro e assistente de gabinete da Secretaria de Meio Ambiente de Santos (Semam), Carlos Tadeu Eizo, explica os principais objetivos deste trabalho. “Temos que despertar a consciência da população para a preservação ambiental. Várias modalidades da Engenharia apostam nisso, pois a matéria prima natural está cada vez mais cara e difícil de encontrar. Dando o destino correto aos resíduos sólidos, poupamos os aterros sanitários e damos vida nova aos materiais. Também conseguimos minimizar o problema do lixo nas ruas, gerando renda e inclusão social para quem sobrevive da reciclagem”.
O engenheiro diz que sozinho nenhum município é capaz de gerenciar essa questão. Para ele, outras iniciativas geram oportunidades eficazes e descentralizadas. Em Santos, igrejas, supermercados, empresas e condomínios exploram em grande escala o lado econômico do lixo. O movimento mostra que a causa ambiental também tem importância financeira para a sociedade, algo que já é ditado pelas regras do mercado. “A crise retraiu o consumo e tivemos menos material para reciclar. O valor de venda do plástico, do alumínio e do papelão caiu cerca de 50% nos últimos meses de 2008”.
Cooperativismo – Apesar das críticas que o Lixo Limpo recebe referente aos custos operacionais, o engenheiro justifica que o compromisso social do projeto vai além das questões ambientais. “Ajudamos famílias com o sustento básico, palestras e outras ações. Acima de tudo, a questão humana de manter pessoas no mercado de trabalho é a mais importante no momento”. Somente na usina de separação de lixo da Prodesan, localizada no bairro da Alemoa, cerca de 80 trabalhadores desenvolvem atividades diariamente.
A Cooperativa Mista Paratodos é a responsável pela mão-de-obra desses cidadãos. Um decreto municipal regularizou o trabalho da entidade, que funciona como braço operacional do Lixo Limpo, enquanto a Prodesan cuida do processo administrativo e dos caminhões que fazem a coleta seletiva pelas ruas da Cidade. Ela é composta por ex-catadores do antigo lixão da Alemoa, moradores da Vila dos Criadores e usuários do serviço de saúde mental do Município. Os pacientes são encaminhados pela Secretaria de Saúde, recebem assistência médica e psicológica e são liberados para trabalhar no local.
Aparentemente, o simples fato de conviver em grupo e manusear materiais que passam pela esteira de separação já faz uma grande diferença na vida dessas pessoas. A alegria se mostra constante entre pilhas de garrafas plásticas e montanhas de papelão. A cooperativa garante salários, uniformes, café da manhã, almoço e cesta básica aos cooperados. São divididos em três turnos que trabalham de segunda a sexta-feira. Eles recebem um salário mínimo por mês e a carga horária pode variar entre seis e oito horas por dia.
Em 2007, a usina processou por mês cerca de 150 toneladas da coleta seletiva, índice superado pelas 200 toneladas registradas mensalmente em 2008. Perto de 30 toneladas deste material é rejeitado e tem como destino o aterro sanitário do Sítio nas Neves, na Área Continental. “Nem tudo é aproveitado, mas o impacto ao meio ambiente é minimizado. Com as iniciativas paralelas, a reciclagem em Santos tem números bem maiores que estes”. Depois de separado, o material é vendido pela Prodesan a uma empresa especializada neste tipo de resíduo. O dinheiro é utilizado pela Prefeitura na continuidade do projeto.
Educação – Alguns projetos de conscientização e aumento da coleta seletiva são desenvolvidos pela Prefeitura, sociedade civil e iniciativa privada. Um exemplo disso é o Programa Santos Nossa Casa, apoiado pela Libra Terminais e pelo Rotary Club. Ele está dividido em projetos chamados Nosso Morro, Nosso Bairro e Nossa Praia. Por meio de agentes comunitários, visam multiplicar as ações e informar a população sobre a importância ecológica na Cidade. “A continuidade desta parceria é fundamental para que o Programa alcance toda a Cidade em 2009”, explica o engenheiro da Semam.
Segundo ele, as campanhas de educação ambiental são importantes, pois boa parte da população não pratica a ação básica de separação do lixo. “Não sei até que ponto será necessário educar o povo. Só é considerado lixo aquilo que já foi separado e não serve para ninguém. A população conhece o método, mas acho que existe um problema de baixa estima em fazer este trabalho. Ainda podemos melhorar muito este processo. Temos que tratar o lixo com algo coletivo e que pode trazer benefícios para toda a sociedade”, conclui.
Resgate social – Com o Ensino Fundamental incompleto, Marlene Ribeiro Atílio é um dos diversos exemplos de inclusão social existentes no Lixo Limpo. Desempregada e separada do marido, ela trabalhou como catadora no antigo lixão da Alemoa por mais de um ano. A cada empreitada, ela recolhia restos de materiais plásticos e os trocava por uma cesta básica. “Essa era uma das formas de abastecer a casa e matar a fome dos meus dois filhos”, lembra sem saudades do lugar fétido e habitado pelos urubus.
Hoje, a moradora da Vila dos Criadores tem orgulho em ajudar o filho desempregado e se diz feliz pelo outro que já está casado. Trabalhando na Paratodos desde 2002, ela atuou por três anos na separação manual do lixo. Atualmente, ela ocupa os cargos de servente de cozinha e presidente da cooperativa. A responsabilidade do cargo lhe rende um pouco mais que um salário mínimo por mês. “Gosto de arrumar o refeitório e servir o almoço para os colegas. Adoro trabalhar nesse lugar, pois é daqui que tiro meu sustento e cultivo minha amizades. Vou a loucura se perder isso tudo”, desabafa.
As eleições na cooperativa são em junho. Marlene diz que não é preciso se candidatar, pois todos a querem novamente na presidência. “Já fui eleita a miss simpatia da usina. Todos gostam de mim aqui”. A servente também revela seus desejos pessoais. “Acabaria com as drogas no mundo, pois muitos jovens perdem a vida por elas. Também mudaria a cabeça das pessoas, pois o mangue perto da minha casa está cheio de sujeira”. Perguntada sobre o que representa o lixo na sua vida, ela é objetiva. “Dependendo do lugar, representa sujeira e tristeza. Dependendo da ação, significa dinheiro e sustento”.
Apostando num estilo ecológico e futurista
Se a preocupação do projeto Lixo Limpo é a geração de renda, a inclusão social e a conscientização popular, outra aposta ambiental é feita por Luciano Mabilde, proprietário da Mabilde Design, projeto residente na Incubadora de Empresas de Santos. Formado pela Escola Panamericana de Arte e profissional de Desenho Industrial pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo, o artista se especializou em transformar o lixo em luxo, algo protagonizado pelo carnavalesco Joãozinho Trinta no carnaval carioca.
Semelhanças à parte, Mabilde trabalha com formatos orgânicos e arredondados na confecção de presentes empresariais e utensílios para o lar. Seus clientes vão desde multinacionais que encomendam peças corporativas até a dona de casa que gosta de decoração. “Tenho a proposta de deixar o mundo mais alegre e colorido, sem perder a inovação tecnológica e o respeito ao meio ambiente. É o que chamamos de Eco Design. Minha tendência segue a linha alemã, com objetos sem detalhes e com funcionalidade prática”.
O artista é reconhecido pela fabricação de porta-retratos e bandejas com estilo próprio. Seu trabalho já rendeu a comercialização numas das principais lojas do segmento de decoração em São Paulo e a exportação para Miami (EUA). As peças são confeccionadas a partir da montagem de resíduos industriais como alumínio, aço carbono, garrafas plásticas, vidros, entre outros materiais alternativos ou reciclados. Muitas vezes, Mabilde busca no lixo a matéria-prima necessária para desenvolver suas novidades.
Hoje, o carro-chefe na sua linha de criação é o pen drive ecológico, fabricado a partir da madeira certificada ou resgatada de entulhos da construção civil. “É um produto que une o novo com o velho, a tecnologia com o rústico. Também usei a madeira reflorestada e produzir brindes para uma grande fábrica de celulose. Isso produz um marketing socialmente responsável na imagem das empresas”. Apesar do estilo marcante, ele faz questão de dizer que busca algo novo a cada momento. “Não estou preso a catálogos prontos. O design deve ter humildade e se adequar as novas tendências do mercado”.
Criatividade – Uma das novidades beneficiadas pelo artista faz parte da cena urbana dos santistas. Ao perceber o descarte de tubulações não aproveitadas na construção da rede de gás natural de Santos, ele solicitou o material junto ao deposito. Aquilo que deixou de ser um gasoduto e que possivelmente fosse poluir o meio ambiente, foi transformado em mesas, sofás e luminárias para decoração. “Algumas fábricas têm montanhas de lixo que pode virar presentes corporativos ou dar vida a novos produtos. Foi o que fizemos com os tubos de gás”.
Outros produtos desenvolvidos pelo design têm como matéria-prima as bisnagas de creme dental. Depois de limpas e trituradas, elas se transformam em placas compactas com diversas utilidades. Podem ser usadas na fabricação de telhados, geladeiras térmicas, caixas acústicas, entre outros. “É preciso criar a cultura para que a comunidade recicle este tipo de resíduo doméstico, pois é composto por plástico e alumínio. Ao mesmo tempo em que agride a natureza, ele é muito útil no processo de reciclagem”.
Caixinhas de leite, pastilhas feitas do coco maduro e a fusão de vidros reciclados também fazem parte das técnicas utilizadas. São usadas na decoração de ambientes e na fabricação de jogos de raciocínio rápido e materiais de escritório. Depois de alguns anos como empreendedor, Mabilde ainda encara a sazonalidade deste tipo de mercado. “Posso trabalhar sozinho em parte do ano e, de uma hora para outra, tenho que contratar profissionais terceirizados para atender grandes demandas que aparecem”.
O lado financeiro também sofre oscilações. Em alguns meses, seu faturamento pode variar de zero a R$ 100 mil. Ele traça planos para o futuro e revela parte de sua inspiração artística. “Quero ter uma loja própria, abrir franquias do negócio e montar uma fundação voltada para o Eco Design. Santos é inspiradora pela qualidade de vida. Um design tem que estar com a mente equilibrada. A Cidade oferece condição para isso”.
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