Fotos: Divulgação
O contexto histórico do meio ambiente no cais santista, os passivos ambientais e os desafios da modernização em tempos de preservação ecológica
Por Marcelino Silva
O engenheiro Cândido Gaffreé e o empresário Eduardo Guinle fundaram a Companhia Docas de Santos e deram início ao ciclo de atividades organizadas no cais santista. O que eles não imaginavam é que o empreendimento fosse gerar tantas situações ambientais depois de 100 anos de operação. Afinal, em grande parte do século 20, a preservação ecológica não era tratada de forma séria no Brasil e não existiam leis para que isso fosse feito. Hoje, os passivos ambientais e a modernidade ameaçam e impulsionam a produção do Porto de Santos.
Atualmente, a sustentabilidade ambiental depende do gerenciamento das leis no complexo portuário, visando o monitoramento das atividades existentes e dos projetos de expansão. A fiscalização de vazamentos, a destinação dos resíduos, o licenciamento das obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), como as avenidas perimetrais, o uso e ocupação do solo e a certificação ambiental de todo o Porto são as principais metas deste trabalho. Mesmo com estes desafios, a Autoridade Portuária carece de biólogos, oceanógrafos e técnicos ambientais no seu quadro de profissionais.
Segundo a superintendente de Qualidade, Meio Ambiente e Normalização da Codesp, Alexandra Sofia Grota, a grande dificuldade é lidar com uma cultura que nunca foi desenvolvida ao longo da história. “Temos que vigiar o operacional e cuidar dos passivos ambientais do passado. Isso é muito difícil com o Porto em pleno funcionamento. Estamos aprendendo na prática. Desde o início dos anos 90, a Cetesb cobra ações nessa área, mas somente em 1999 criamos uma superintendência para cuidar disso dentro da empresa”.
Dragagem – Alguns acontecimentos marcaram as questões administradas pela Codesp, exigiram mudanças de cultura e refletiram seus resultados. Em 2001, problemas ambientais paralisaram a dragagem de manutenção do canal de navegação do Porto, alertando um possível caos nas operações de carga e descarga. No ano de 2004, a estatal conseguiu o licenciamento ambiental. Neste intervalo, o trabalho foi executado sob liminar judicial. “Fizemos os estudos e os monitoramentos necessários. Essa dedicação nos possibilitou a autorização para dragar novamente”, relembra.
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A licença foi renovada em 2008. São dragados atualmente por volta de 200 a 700 mil metros cúbicos mensais de sedimentos contaminados. Um mês compensa o limite coletado no outro, dentro dos níveis permitidos pela Cetesb. Alexandra conta que este é o maior custo ambiental da Autoridade Portuária. “Passamos a conhecer melhor a região e ganhamos uma defesa científica sobre o descarte do material. Ele não polui as praias e o local de disposição se recupera bem. Este trabalho de monitoramento custa R$ 4 milhões por ano”.
Os sedimentos são dispostos numa área oceânica, nas proximidades da Ilha da Moela. O oceanógrafo André Luiz Belém diz que este é o principal passivo ambiental de Santos. “Não podemos voltar à época das cavernas. A dragagem é necessária para o Porto e para o meio ambiente. Mas acho que os resultados do monitoramento deveriam se tornar públicos. Também não concordo com o local do descarte. Alguns aspectos não foram estudados a fundo, como as ondas, o processo de sedimentação real e a influência nas Áreas de Proteção Ambiental, a exemplo da Laje de Santos”.
Belém explica que a contaminação no fundo do canal do Porto tem origem em várias fontes poluidoras. Algumas são atuais e outras decorrem de épocas onde não existia consciência ambiental. Uma delas foi a reversão do Rio Pinheiros, para que a Represa Bilings conseguisse gerar energia na Usina Henry Borden, em Cubatão. Este processo trouxe resíduos industriais da Grande São Paulo para o estuário santista. As ocupações urbanas irregulares, o pólo industrial cubatense e as atividades portuárias também poluíram.
Outros marcos – A área do antigo lixão da Alemoa é outro ponto crítico em termos ecológicos. Alexandra conta que a Cidade e o complexo portuário depositaram lixo por muitos anos naquele terreno, causando a contaminação do solo em grandes proporções. Hoje, o espaço está arrendado para a BTP (Brasil Terminal Portuário). Acompanhada pela Cetesb, a empresa está desenvolvendo um projeto para a recuperação ambiental do lugar. Depois de licenciada, ela deve instalar suas operações no local.
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Outra iniciativa ocorreu a partir da Lei de Modernização dos Portos (Lei 8.630/93), onde a Codesp investiu no saneamento básico do Porto. Em parceira com a empresa Water Port, ela tornou a margem direita auto-suficiente em água potável e esgotamento sanitário. Foram quilômetros de tubulações, adutoras e novas estações de tratamento de água e efluentes orgânicos. É feita a coleta, o tratamento e destinação final do esgoto gerado no cais.
A captação da água, feita no Rio Trindade, na Área Continental, passa por análises periódicas de qualidade e consumo. A fauna também é monitorada, garantindo a proteção das espécies do rio. Antes da modernização, o sistema não era 100% eficiente, o que aumentava os riscos de contaminação do estuário. Na margem esquerda do Porto, em Guarujá, o tratamento sanitário e feito por meio de fossas sépticas. O abastecimento da água é provido pela Sabesp.
Área Continental – A expansão portuária nessa região de Santos sempre gerou discussões ambientais. Os ambientalistas defendem a proteção permanente e as autoridades dizem que o Porto precisa crescer. A superintendente explica que toda atividade portuária gera impactos em qualquer lugar do mundo. “O que temos que fazer é minimizar ao máximo as agressões ao meio ambiente e adotar ações de responsabilidade socioambiental”.
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Ela cita o exemplo do projeto Embraport. Ele está fora do Porto organizado e irá ocupar parte de um terreno de um milhão de metros quadrados, entre os rios Sandy e Diana. Promete ser o maior terminal privativo multiuso da América Latina e aumentar em 15 % o movimento do Porto de Santos. “Diferente das áreas antigas, o Embraport vai começar algo do zero. O seu licenciamento foi feito por empresas sérias e o Ibama aprovou seu estudo. Temos um novo precedente para a exploração portuária da Área Continental”.
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No caso de Barnabé-Bagres, não existem estudos ambientais completos para o projeto. Ainda não está definido o modelo de ocupação, os produtos movimentados e as finalidades do espaço. Sob jurisdição da Codesp, o lugar também está fora da área de concessão do Porto. Os estudos de viabilidade econômica e ambiental estão sendo feito por diversas empresas interessadas em explorar o local. A idéia da estatal é obter as informações e seguir os modelos ambientais aplicados na concepção do projeto Embraport.
Cooperação – Segundo Alexandra, a maior atenção ambiental da Autoridade Portuária é focada nos os arrendamentos de áreas antigas do Porto. Por outro lado, a preocupação é aliviada pelas iniciativas das empresas concessionárias. Em busca das certificações de Gestão da Qualidade (ISO 900), Gestão Ambiental (ISO 14001) e Gestão da Saúde e Segurança Ocupacional (OHSAS 18001), elas desenvolvem ações que beneficiam a preservação ecológica no complexo portuário e capacitam seus profissionais.
Em obras recentes, como o Embraport, o TGG (Terminal de Granéis do Guarujá) e o TEV (Terminal de Exportação de Veículos), não existem preocupações ambientais sérias. “São bem licenciados do começo ao fim. Fizemos isso nas avenidas perimetrais e na dragagem do canal. Em outro projeto importante, vamos obter uma única certificação ambiental para o Porto de Santos. O Ibama já emitiu o termo de referência para análise. A previsão é que até o fim de 2009 o estudo esteja pronto”. Empresas também apóiam campanhas públicas de preservação e realizam a coleta seletiva do lixo em seus recintos.
“Estamos buscando uma forma de corrigir os erros do passado e crescer com qualidade. O legado está sendo construído, mas o processo é lento e o aprendizado constante. Tivemos bons avanços, mas o Porto não ficará perfeito da noite para o dia. Temos muita coisa a fazer”, conclui a superintendente.
Navios colaboram com a reciclagem de óleo
A geração de resíduos sólidos e líquidos nas operações portuárias é uma das principais preocupações ambientais da Codesp. Assim como os automóveis, as embarcações utilizam o óleo para lubrificar seus motores. O processamento da casa de máquinas dos navios gera uma mistura de água, lubrificantes e outros derivados químicos. Durantes as viagens, este material é armazenado num reservatório e precisa ser eliminado nas atracações. As autoridades sanitárias podem não autorizar a saída do Porto sem a devida certificação do descarte.
Esta atenção nasceu em 1973, por meio da Marpol – Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios. Em 2006, ela foi revisada pelos órgãos internacionais. No Brasil, a Lei 9966/2000 regula este setor. Ela dispõe sobre a prevenção, controle e fiscalização dos poluentes causados por óleo e substâncias perigosas em águas sob jurisdição federal. Antes destas medidas, muitos navios despejam seus resíduos em alto mar. Alguns contaminavam indiscriminadamente o estuário dos portos onde atracavam.
Em Santos, empresas se especializaram na realização da coleta do óleo descartado pelas embarcações. Uma delas é a Comtrol Comércio e Transportes de Óleo. Foi criada em 1991, por causa dos acidentes ambientais na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Veio para Santos para atender as operações geradas pela movimentação de navios no Município. “Hoje, a demanda santista é responsável por mais de 70% do faturamento e das operações da empresa. O nosso foco é coletar e destinar corretamente os resíduos de cargueiros de diversos portes”, explica Ricardo Machado Botelho, gerente da Comtrol.
Diferencial – Botelho explica que o trabalho da empresa é realizado com barcaças, o que permite realizar a coleta dos fluídos por meio marítimo. Algumas empresas fazem o serviço com caminhões tanque, aumentando o trânsito nas vias portuárias. “Carregamos até 500 toneladas em cada embarcação. Isso equivale a capacidade aproximada de 16 carretas. Outro dado importante é que somos a única empresa deste segmento em Santos que possui os certificados ISO 9000 e 14001 para realizar estas operações”.
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A base operacional da Comtrol está estrategicamente localizada no Canal de Bertioga, às margens da Rodovia Cônego Domenico Rangoni. É neste local que tanques recebem o material coletado pelas barcaças. Posteriormente, os resíduos são levados para empresas especializadas na separação destes fluídos. O óleo é revendido para abastecer caldeiras industriais, a borra sólida é incinerada e a água é utilizada no próprio processo da empresa recicladora.“Temos estrutura para atender acidentes em pequena escala, relacionados diretamente com nossas atividades.
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Para isso, possuímos coletores de óleo e bóias de contenção. Trabalhamos para que isso nunca ocorra, mas também podemos colaborar com os planos mútuos de emergência da Cetesb. Vejo que o maior desafio do Porto é evitar que resíduos químicos contaminem os mananciais e o estuário de Santos”, finaliza o gerente.
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